Reportagem – “A Cultura do Outro Lado da Rua”

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Os moradores do bairro do Maracanã estão acostumados com o que o Estádio Mário Filho representa, e se orgulham disso. Porém, na Rua Mata Machado, próxima ao portão 13, encontra-se as ruínas do antigo Museu do Índio. O prédio abrigou o museu até 1978, quando foi transferido para Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Atualmente, o espaço recebe índios que vêm para a metrópole para tentar ocupar um espaço na sociedade urbana.

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Danilo Carajá, de 23 anos, é um dos poucos índios dali que conseguiram ingressar em uma faculdade. Ele estudou na Universidade Veiga de Almeida durante um semestre, realizando o curso de Contabilidade, na intenção de obter algum conhecimento que o ajudasse a revitalizar o prédio. “O plano é tornar o lugar a primeira universidade indígena do país”, conta o jovem. Danilo vive na ocupação há três anos e faz questão de propagar o interesse pela cultura indígena: os índios dali vão à colégios, eventos e dão palestras. Apesar de todo o esforço para que o lugar – assim como a cultura indígena – seja valorizado, Danilo e os outros índios vivem do dinheiro que arrecadam pela venda de brincos e colares na praia.

O índio Kamayurá Pataxó, também de 23 anos, mora na ocupação há apenas 1 ano e possui uma posição bem concreta quando se trata sobre a inserção do índio na sociedade urbana. “Nós queremos o direito que a Constituição diz que nós temos”, reivindica o índio, “porque o Estado diz para a gente que quer construir um estacionamento aqui, para a Copa de 2014, gerar capital, renda para o país”, completa. “O Estado fala que a nossa cultura não acrescenta capital, mas a verdade é que a cultura indígena iria acrescentar muita coisa ao país inteiro. Aí o universitário se forma, vira antropólogo, ‘doutor’, educador, e não sabe nada sobre as raízes do país onde vive.”

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O prédio onde vive Danilo, Kamayurá, e os outros índios é também alvo de vandalismo. “De vez em quando expulsamos algum drogado, ladrão, ou até prostituta, que invade que nossa casa”, conta Danilo. “Uma vez fui socorrer uma mulher que havia sido assaltada e me confundiram com o criminoso. Na delegacia, falaram que eu era traficante porque eu tava pintado e queriam saber de que facção eu era. Os índios daqui de casa foram lá na frente da delegacia protestar e tudo correu bem depois”, diz.

Quando se pensa em um índio, logo se pensa em um homem moreno, de cabelo liso, em poucos trajes, batendo com a mão na boca. Na verdade, eles querem mostrar que são exatamente como nós. “É um desafio para a gente, ocupar um espaço na sociedade. Mas não é porque a gente vai entrar numa universidade ou mexer na internet, que vamos deixar de ser índio. A gente quer mostrar que somos cidadãos também”, diz Kamayurá.

do outro lado da rua

O que mais chama atenção é o fato de que a Rua Mata Machado divide o prédio do antigo Museu do Índio e o estádio Mário Filho. Na pista recreativa do estádio, passam indivíduos de bicicleta, fazendo caminhada, ou praticando qualquer outro esporte, sem nem mesmo perceber que, próximo àquele lugar, reside uma cultura diferente daquela que estão acostumados. São duas realidades totalmente distintas, separadas por uma rua e nascidas de uma única cultura. A cultura indígena está tão próxima do quanto imaginamos; está do outro lado da rua.